Patrícia Helena Dorileo
3 min readMar 26, 2020

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foto — Nasa

A rua da Consolação, no centro de São Paulo, nunca esteve tão silenciosa. Meu despertador sempre foram carros e ônibus e motos com seus escapamentos meticulosamente soltos. Há alguns dias tem sido pássaros. Revoadas de pássaros. Inimaginável. Quando aconteceu pela primeira vez, no meu segundo dia de isolamento social — quando ainda era voluntário — eu jurava que estava em um sonho, daqueles bem reais. As revoadas de pássaros, aliás, são mais comuns do que jamais imaginei. No meio da tarde e início da noite cantam ainda mais alto.

O azul do céu está mais aparente. A poeira que invade a casa está menos cinza e densa. Na única saída dos meus 50 metros quadrados para uma compra de supermercado, em um intervalo de 12 dias, foi surpreendente não precisar desviar de ninguém cruzando na calçada ou atravessar na faixa de pedestres sem correr. Obsessão total por lavar as mãos, não tocar no rosto, esterilizar mesas, bancadas, cadeiras, pias.

Na tentativa de esquivar-me da metralhadora de informações sobre a pandemia que mal deixam minha cabeça se aquietar, o ciber-mundo não só acolhe como promove um diferente bombardeio para a gente continuar tendo a sensação de utilidade. Obviamente, tem zilhões de excelentes oportunidades. Aproveitemos. Mas a circunstância poderia ser usada também para observar o mundo. Pensar.

Claro, quem não pode ter folga são aqueles profissionais essenciais e insubstituíveis para a manutenção da vida, os quais não preciso ficar nomeando; e aqueles em que depositamos votos nas últimas eleições, afinal, o Estado tem aqui, mais do que nunca, enormes deveres. Deveres que, ao que parece, finalmente estão sendo executados e serão cada vez mais cobrados.

A sociedade também será cobrada. Está sendo. Individual e coletivamente. Olha quanto mudou em tão curto período. De repente demos-nos conta de que a gente gasta um dinheiro amuado com itens que não precisamos tanto assim — ou precisamos nada. De que conviver às vezes pode ser difícil, embora não devesse ser, já que há o princípio do respeito. De que a gente precisa é de comida e atendimento universal de saúde. De que somos todos, inevitavelmente, um só. De repente um Estado se desdobrando para minimizar a morte, que vem de tantas maneiras.

Finalmente demos valor às conexões, mesmo que no virtual. Finalmente um grande e honesto movimento de solidariedade, mesmo que no virtual. Finalmente a compreensão de que uma única pessoa, o caso 0 numa província tão tão distante, também é o todo. Finalmente um Estado que está colocando a vida humana como prioridade.

O planeta nos confinou para nos lembrar que é imprescindível desconstruir o que já foi construído ao longo dos anos, se não tudo morre. Implode. O planeta nos confinou para fazermos uma profunda revisão das relações pessoais, de poder, de consumo e posses, de distribuição de recursos, de igualdade e equidade. O planeta nos confinou para desapegarmos do poder frívolo e mandatário para, no penumbre, entrarmos em contato com a afetividade. O planeta nos confinou para “termos tempo”. O planeta nos confinou para confiarmos de uma vez por toda na Ciência, a única que nos libertará da ofensa do vírus.

É tampar os olhos com uma meia arrastão querer comparar este momento com outras doenças que já devastaram terras. É diferente de qualquer outra coisa. Porque os aspectos social, econômico, político são absolutamente diferentes. E porque a escala nunca foi tão globalizada dessa maneira. A Terra gira, não é plana, nada permanece nem é essencialmente igual. É tudo mutável.

Eu não me importo, com toda a sinceridade que me cabe, se você acredita ou desacredita na Astrologia — este estudo milenar, sério e profundo. O fato de você desacreditar, por exemplo, não torna o fato inexistente. Estamos na Era de Aquário sob a regência de Capricórnio. A quebradeira mal começou. Se não apreendermos e redefinirmos a existência humana, na próxima vez o planeta não vai nos lembrar de mais nada. Espero que aprendamos. Adoraria continuar vendo revoadas de pássaros no centro de São Paulo.

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Patrícia Helena Dorileo

astróloga, jornalista e um oceano inteiro • astrologer, journalist and an entire ocean.