Ando com saudade de conversas sem grandes objetivos

Patrícia Helena Dorileo
3 min read3 days ago

--

Ando com saudade de conversas sem grandes objetivos. Sobre o que anda rondando o mundo, sobre aquele trecho da música de Caymmi que emociona, sobre as memórias da infância, sobre o livro que lemos e o novo hobby que logo desencantará; sobre signo, sobre review de beck, sobre lugares para conhecer, sobre sonhos e vontades, sobre os melhores beijos na boca, e os piores também, sobre as mandingas de amor e de sorte, sobre aquele vídeo incrível que cruzou meu algoritmo no youtube ou aquela coisa maravilhosa que um professor uma vez falou e mudou a vida e o mundo todo precisa escutar.

Sem objetivo, mas não menos profícuas. Horas de despretensiosidade. Sem a preocupação de gerar insight ou ~virar conteúdo ou coisas afins.

Fazia muito disso na adolescência. Juntava minha gangue emo na minha casa, e passávamos o final de semana falando bobagens, absurdos e outras coisas legais, enquanto eu fingia que tocava violão, ou assistíamos filmes enquanto comíamos pipoca e brigadeiro. Depois, na universidade, e até um pouco mais tarde quando já trabalhava. Com outros cenários e de outros modos menos juvenis, claro — na mesa do bar que durava quantas cervejas fossem necessárias ou num acampamento improvisado, por exemplo.

Não sei se a falta que sinto é de um tempo que simplesmente não voltará mais, porque, bem, acredito mesmo que tudo tem seu tempo. Ou se a falta é de inteira minha responsabilidade, afinal, eu posso muito bem convocar uma dupla ou grupo de amigos para nos esticarmos num gramado qualquer e ver a vida passar enquanto os papos mais incrivelmente desatinados percorrem por nós, que vão da completa tolice a elucubrações que mudam o olhar. Ou, quem sabe, se a falta não é apenas uma cafonice nostálgica. Tendo a pensar que é a primeira opção com um toque da terceira. Mas, sei lá.

E veja, não há whatsapp na vida capaz de tornar isso [do qual digo sentir saudade] em algo possível de ser feito “a qualquer hora, a qualquer distância na palma da sua mão”. Tais enredamentos aos quais me refiro são muito mais bonitos e relevantes quando há risada e suspiros vazios compartilhados, repreensões com o olhar, atenção real, afetividade e sinestesia.

Quando é que a vida adulta se torna essa repetição mecânica de afazeres responsáveis, reclamação da falta de dinheiro, acordar fazer seu exercício físico tomar café trabalhar almoçar trabalhar jantar assistir qualquer porcaria na tv dormir ad infinitum com pequenas-brechas-de-eventos-extraordinários e encontros planejados com um antecedência desmotivadora?

Adultecer é, também, isso? Porque se for, só gosto da parte do amadurecimento mesmo, de me importar cada vez menos com certos tópicos.

Tenho achado um saco essa história de que “ser adulto é isso mesmo”, ou seja, trabalhar, pagar boleto, puxar ferro na academia para envelhecer com mais qualidade de vida que nossos pais e avós, e vez ou outra cumprir uma agenda social que se resume a um jantar a cada oito meses. Quem sabe ter filhos. Quem sabe fazer uma grande viagem com muito custo. Uma viagem de casais. Há pouco tempo para gastar tempo dividindo a companhia. Não é possível que haja tão pouco tempo para apenas dividir companhias e pensamentos.

Chato pra caralho.

É claro que está todo mundo no corre. E num esforço danado para fazer a vida ser próspera, segura, saudável. Porém, é inegável que o adulto dos anos 2020 dificultou um tanto de coisa que pode ser simplificada e, sobretudo, tem um talento para tirar o encanto da própria vida, tornando tudo meio cinza, burocrático, melancólico além da conta. E olha que eu gosto da melancolia, esse tempero em que o silêncio faz tão bem. Agora: silêncio-junto sem objetivo também é bom. Não mistificar e ritualizar a presença do outro, idem. Ah, bom. No fim das contas, acho que preferirei resumir o que Rubem Braga escreveu: “Como passam os anos! Ultimamente têm passado muitos anos. Mas não falemos nisso”.

--

--

Patrícia Helena Dorileo

astróloga, jornalista e um oceano inteiro • astrologer, journalist and an entire ocean.