flor de maio

Patrícia Helena Dorileo
3 min readApr 21, 2020
tá lá ela, toda tristonha e bela.

Comprei uma flor na última ida ao supermercado, com o intuito de deixar a casa um pouco mais.. florida. Eu não conhecia a espécie, chama Flor de Maio — lá no sol intenso de Cuiabá, onde morava, certamente ela não se daria muito bem porque, embora seja um cacto de floresta, tem exacerbada delicadeza. É rosinha, meio cabisbaixa, sem espinhos que machucam (aparentemente).

Desde que ela adentrou minha vida, tomamos café da manhã juntas, ainda mais que meu parceiro costuma dormir um bocado a mais do que eu. Coloquei-a em cima da mesa da sala para receber uma luz & sombra gentis. Conversamos sempre (claro que você sabe que precisa papear com suas plantinhas, né?) e ela está cheia de brotos! Enquanto mantemos nosso papo matinal, escuto lá de baixo a conversa dos trabalhadores do condomínio. Pessoas, além de tudo, divertidíssimas. Eles falam sobre assuntos relativos ao prédio, e eu aqui semi-monologando com a planta sobre frivolidades e reforçando o quanto ela é bonitinha. Sinto-me uma maluca. Aí eu paro para refletir e, bom, é assim que a gente está fazendo para não enlouquecer de fato.

Tenho a sorte de ter meu companheiro quarentenado comigo. Mas quantos estão só. Penso muito nessas pessoas. No meio da maior incerteza de todas as nossas vidas terráqueas, há muita gente sozinha em suas casas. Mesmo acompanhada, converso o tempo inteiro com meus bichos (Pantalaimon, a shitzu meio Taz Mania; e Lyra, a pantera em menor escala), agora com a plantinha, com o céu visto da sacada do meu quarto, com a comida que preparo, com os artistas que eu gosto e fazem as famigeradas lives, com as vozes na minha cabeça. E mais do que nunca com amigos e familiares, por videochamadas em suas mais diferentes plataformas.

Eu sou, naturalmente, uma pessoa pouco extrovertida. Adoro conversar, embora escuto mais do que falo. Gosto de acreditar que é coisa de repórter — ai, ai. Sinto-me confortável na reclusão. Então, acho muito curiosa essa ânsia de estar quase o tempo todo em comunicação com alguém ou algo. É uma atmosfera generalizada de hesitação da solidão.

A solitude tem seu valor, grandioso, inclusive. Respeito e aprendo muito com ela. Agora, quando de repente você não sabe mais quando vai poder encontrar as pessoas que você gosta de estar junto — ou até mesmo as que você não gosta — porque não depende de nenhum dos envolvidos, bate um sentimento esquisito. Não é medo, não é vontade de ter o controle, talvez seja angústia. É um permanente olhar vazio para o horizonte. E aí qualquer chance de ter um contato minimamente afetivo, de trocar olhares ou palavras, de poder falar só para sentir-se ouvido, é agarrada com muita força.

Sob esta ótica, tem hora até dá para entender quem fura o isolamento quase sistematicamente — — porém, no fundo são só um bando de irresponsáveis sob o manto do egoísmo. O lance é que pode ser realmente apavorante a ideia de perder as relações e o possibilidade de comunicar-se com seus iguais.

Não é só das relações que o valor inflacionou. De repente damos ainda mais importância para as trocas, para a presença, para a fala acompanhada da escuta, para a atenção que damos e recebemos. É a qualidade das relações, até quando são os temas mais triviais que estão pautados.

Já completamos o primeiro mês de quarentena em São Paulo e Maio está se aproximando — pelo menos até o dia 10, todo mundo que puder deve, como diz o bom cuiabano, quêtar o facho em casa. Espero que até lá eu tenha cuidado bem da minha nova amiga-flor. Caso precisemos de um segundo ou terceiro, vai saber, mês de isolamento social, vou procurar mais plantas com nomes dos respectivos meses, só pela temática.

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Patrícia Helena Dorileo

astróloga, jornalista e um oceano inteiro • astrologer, journalist and an entire ocean.