quase incêndio do bolo de banana

Patrícia Helena Dorileo
4 min readJun 18, 2020

Faltou muito pouco para dois amigos terem que prestar um depoimento para o Corpo de Bombeiros sobre as mortes minha e de Arthur, a qual seria causada por um terrível incêndio doméstico. Estávamos conversando pelo WhatsApp na hora da fatalidade. E pensar que o quase-incêndio foi causado por um inofensivo e delicioso bolo de banana.

Numa quarta-feira fresca, quando eu só queria enrolar as poucas obrigações que havia na lista de afazeres do dia, decidi de supetão fazer um bolo de banana por volta das cinco da tarde. Procurei uma receita na internet e mandei bala. Preparei. Coloquei em uma forma redonda de silicone, daquelas que formam um desenho bonitinho. A primeira camada de bananas com caramelo, e na sequência a massa. Pus para assar. Apenas meia horinha e eu poderia deliciar-me com essa iguaria que remete à casa de mamãe e papai.

Em alguns minutos começou a subir um cheiro de queimado. Abri o forno e a forma de silicone havia tombado para o lado, e parte de tudo o que havia dentro dela, derramou no forno. Não era taaaanta coisa. Não dava para eu tentar limpar na hora porque o forno estava muito quente e — todo mundo que cozinha sabe — não se corta o cozimento do bolo no meio do caminho!!! Ok. “Bom, vai ficar uma marofa de bolo tostando, mas tudo bem, é pouco e logo acaba”, pensei. Segue o assamento.

Um rápido parênteses — em vez anterior, algo idêntico aconteceu. Metade da preparação derramou no forno, mas a vida seguiu, o bolo assou, a essência de fumaça tóxica passou e tudo certo. Por isso a preocupação, naquele momento, não foi tão grande.

Mais uns minutos avançaram, Arthur grita lá do quarto “mas esse cheiro tá tenso, hein!”. E logo emendou: “olha essa fumaça na cozinha!”. Acendi a luz. Pânico.

Vi dentro do forno, antes de abri-lo, uma labareda que se mexia com uma fúria tremenda como se quisesse crescer de tal forma a queimar o bolo, o fogão, a pia, a cozinha, o apartamento, o prédio inteiro. Parecia um desenho animado onde a chama tinha olhos psicopatas e sorriso maquiavélico.

Numa calma impressionante e inimaginável, falei “está pegando fogo”. Ele, sem entender direito, respondeu com um monossilábico “Af”. Aí caiu minha ficha:

-Sério, Arthur, fogo!!!

Saímos correndo, abrimos o forno de olhos arregalados, desligamos o fogo e ficamos encarando aquela chama furiosa cujos objetivos tentávamos compreender. Saía uma fumaça preta, terrivelmente fedorenta, que entrava no cérebro com força. Aquela flamula alaranjada era audaciosa, não recuava e continuava crescendo. Fechamos o registro do fogão.

Saímos escancarando as janelas dos cômodos, as portas da sacada e de entrada da casa, ligamos o ventilador, tudo no intuito quase inútil de fazer o fumacê ir embora. Quase inútil porque a arquitetura do apartamento não colabora para essa vasão toda, mas tínhamos que lutar com as armas possíveis. A tentação era de tacar um balde de água no fogão como uma inconsequente que subitamente esqueceu que não conseguiria comprar um novo.

Fiquei de guarda na porta da sala para impedir que a gata rueira tentasse escapar para encontrar o mundo exterior (e, coitada, se decepcionar), jorrava o vento do ventilador para todos os cantos alcançáveis, busquei máscaras para colocarmos na cara e evitarmos uma intoxicação (ó! que beleza! no meio de uma pandemia de um vírus que ataca sem permissão os pulmões) e gesticulava para a cachorra ficar parada onde estava e não futricar na cena do incidente.

Enquanto isso tudo, Arthur, em um ato de bravura e instinto de sobrevivência desesperado, pegou uma pinça de silicone (maldito material, se minha forma fosse uma forma NORMAL, sabe, daquelas de vó e mãe, nada disso teria acontecido) e começou a provocar a chama que, finalmente, já era um foguinho. Tirou as peças que não sei o nome de dentro do forno. Havia uma singela maçaroca de bolo incendiado.

Tudo estava impregnado com caramelo e massa semi-assada. Por debaixo do fogão, derramava a calda que era para eu estar comendo naquele instante. Limpamos tudo. O cheiro não dava espaço. Mas eu queria muito comer bolo de banana. É o café da manhã que meu estômago já havia decidido, aceito e aguardava com muita alegria, satisfação e expectativa.

Desafiei a ciência da gastronomia e voltei o bolo ao forno, depois de meia hora dele para fora, quando o quase-incêndio estava controlado e não havia mais trabalho de rescaldo. Coloquei a forma molenga dentro de uma assadeira, fechei os olhos e pedi o impossível para os deuses culinários.

Obviamente não deu certo. Pois é, aquela foto lá em cima é apenas uma qualquer expectativa. Bom, pelo menos estamos vivos e claro que vou comer do mesmo jeito. *

*em minha defesa, te convido a entrar no meu Instagram (@patdorileo) e ver com seus próprios olhos dezenas de pratos em que tive sucesso e mantive tudo são e salvo.

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Patrícia Helena Dorileo

astróloga, jornalista e um oceano inteiro • astrologer, journalist and an entire ocean.