o mapa astral de rita lee, a feiticeira notável

Patrícia Helena Dorileo
7 min readMay 10, 2023

Tenho uma relação com meus ídolos da música muito mais próxima do que grande parte das pessoas que me cercam. Construí uma intimidade a partir dos fones de ouvidos que você não acreditaria. É que eles conversam comigo como ninguém mais o é capaz. Por isso, quando morrem, choro suas mortes tão e mais sofregamente. Uma das maiores heroínas da minha vida se chama Rita Lee, quem fez a passagem na noite do dia oito de maio, cuja notícia me desmoronou, assim como todo o país. Conheci a música de Rita, e comecei a criar aquela intimidade citada, ali pelos 17 anos, e foi tão arrebatador enxergar a Patrícia de anos anteriores, que sentia tanto despertencimento nas escolas e nas turmas adolescentes, cantadas naquelas canções. Queria tanto um dia resolver mudar e fazer tudo o que eu queria fazer pra me libertar daquela vida vulgar. Estou aprendendo. Outra coisa que Rita tem me ensinado é que tudo bem ser a ovelha negra da família, assuma e suma. Rita, uma capricorniana de Sol e Mercúrio combusto, a cabra, a ovelha, construtora de um mundo muito melhor do que o que havia antes de ela chegar.

Construiu, como toda cabra montanhesa o faz, através de algo genuinamente capricorniano: esse tal de roque enrow. Capricórnio, signo de Saturno, aquele que não deixa pedra sobre pedra, que se responsabiliza e se associa às figuras marginais. Rock é coisa de Capricórnio e de Escorpião — quem no mapa dela, está simplesmente no Meio Céu, alinhado à Agena, estrela que garante sucesso e reconhecimento, inclusive pela perspicácia. Sol e Mercúrio na Casa 12, a dos lamentos e aflições, que poderiam derrubá-la, não fosse a regência de um Saturno em Leão e, sobretudo, o humor capricorniano, o melhor de todos, entre o azedo e o hilário, tem um refinamento e inteligência perspicazes, a aspereza saturnina dá todo um toque meio provocativo, meio mórbido. Quem não vê graça na Cabra, na Ovelha, não entendeu nada. Tá certo, a gente pode pensar nesses posicionamentos na chamada Casa dos Maus Espíritos os indicativos das fugas todas que, sabemos, aconteceram. Mas, para muito além do que Rita experimentou e abusou, é muito mais sobre reconhecer a própria nebulosidade e atravessar este portal aberto em territórios soturnos: é essencial à travessia.

Ela já falou um milhão de vezes: tem a Lua em Virgem. E já escreveu: o Ascendente de nascimento é Aquário. Saiu nas palavras dela, basta uma pesquisa minimamente cuidadosa. Sendo assim, não há dúvidas, ela tem regência de um Saturno retrógrado exilado e uma Lua de Casa 8, que a põe em contato profundo com seus submundos, ser enxergada como a excêntrica, a porra louca (aliás, qual o problema?!, exclamaria este Saturno leonino), e tantas vezes descabida, inclusive para o trono no qual a colocaram. No Ascendente se conserva toda esquisitice e singularidade própria de quem ascende em Aquário, mas quem brilha em autenticidade é o regente do mapa, “Se eles são bonitos / Eu sou Sharon Stone / Se eles são famosos / I’m Rolling Stone / Mas louco é quem me diz… / E não é feliz! / Não é feliz… // Eu juro que é melhor / Não ser um normal / Se eu posso pensar / Que Deus, sou eu..”. Nunca vou esquecer da minha sensação ao ouvir pela primeira vez Os Mutantes, e como instantaneamente entender aquilo como algo genial e emocionante. Os irmãos Dias são fundantes, é óbvio, mas é inevitável associar a imagem e o triunfo da banda à Rita.

Rita enfatizou achar “rainha do rock” uma expressão cafona, preferiria “mãe do rock” e assim chamaremos porque é mesmo e por honra e respeito. Mas, olha Ritinha, eu tenho uma notícia: você é sim uma rainha. Quem afirma não sou eu nem a legião absurda de admiradores, mas seu próprio mapa coroado por Regulus, cravada na Lua. Regulus é uma das quatro estrelas reais, uma das raras e importantes guardiãs celestes, posicionada no coração do Leão oferecendo coragem, coração aberto, um destaque reluzente, de pessoas que se orgulham do que mostra, do que são, e não hesitam em mostrar a que veio. Regulus vence com glória e dignidade. E stem algo que Rita Lee é, é digna.

Na carta a gente encontra as intensas histórias de amor vividas por Rita, a paixão arrebatadora que a movia, as revoluções que o afeto e o sexo foram capazes de fazer em sua vida, pessoal e musical. Letrista excepcional, assim como uma tremenda escritora de livros para tudo que é tipo de público, Mercúrio rege a Casa 5 — a qual trata das artes e dos prazeres, além dos filhos e tudo ao que deu vida e criação — está lá, combusto no satírico Capricórnio, e formando uma estreita quadratura com o inspirado e poético Netuno em Libra que (ah!), está colado na Fortuna. A grande sorte da vida de Rita foi, sem dúvidas, a poesia, o encantamento e a percepção elevada das sutilezas da vida. Claro, ao jeito dela, que mandava tudo à merda com facilidade porque sabia o que realmente importa.

E o que importa é ela quem sabe, com seus tesouros bem guardados em formato de uma sabedoria mística. Esse Mercúrio faz um perfeito trígono a Marte em Virgem, que por sua vez acondiciona os grandes tesouros adquiridos ao longo da vida através da estrela Thuban.

Encontram-se também as desgraças, os traumas, os infortúnios, porque ali se registra a história de um coração que pulsou aqui — mas nada disso é relevante aqui. Pois há tudo o que já foi dito, além do pioneirismo, da postura altiva e irreverente, expressados numa Vênus em Aquário em trígono ao lote da Fortuna em Libra. Beleza singular, uma feição mais que ilustrativa, medular. Em 2022 vi de perto os figurinos que ela usou ao longo da carreira e são espetaculares, magnéticos, inesquecíveis, remetem a um tempo, um tempo saturnino — que se domicilia em Aquário e se exalta na Libra. O alicerce de uma vida também está na identificação vista, percebe? Não é secundário, não é fútil, não é menor, é alicerçante. Aquela história icônica da bota prateada que ela experimentou numa boutique em Londres e saiu correndo com ela nos pés e, anos depois, a própria grife se ofereceu para fazer seus figurinos, é emblemático neste aspecto entre Vênus e Fortuna nos signos onde estão: petulância, audácia e sorte, rs. Há também tantos outros que se referem a esta composição astrológica.

Não aceitou a cafonice, a caretice, nem a mediocridade, muito menos a mentira e desonestidade. Absolutamente de acordo com sua própria sina, assumiu suas verdades do modo mais cru disponível. Não bastasse tanto, Rita tem o maior dos presentes: Júpiter, o grande benéfico dos céus, domiciliado e jubilado. Júpiter em Sagitário na Casa 11. Grandiosa, extraordinária, com o gigante sábio sempre soube o que dizer, sobretudo como dizer, porque é uma sábia nata. As entrevistas, as participações no Saia Justa (quando compôs o melhor elenco do programa), as canções. Tudo tem um pózinho de sabedoria anímica. Fez desde música para drogas à proteção espiritual. E cumpriu o que cantou: fez um monte de gente feliz. É isso que quem tem esse Júpiter faz de mais bonito e emocionante. “Ela nunca foi bom exemplo, mas era gente boa”, escreveu lá no seu livro, e ô se não era! Uma sábia, uma maga, uma feiticeira. Outros predicados de quem tem Júpiter como o planeta que concede a vitória no mapa e na vida. Verdadeiramente livre, cheia de fé, empunhou seus trovões com altivez, e se tornou a prometida e própria Temperança. Há milhares de aspas que eu poderia incluir aqui, mas não vou, basta a gente pensar nela e instigar a memória que já se sabe. É ela meu modelo de deusa, de gênia, de bruxa, na sua franqueza sensível e desconcertante, transforma o entorno num passe de mágica pela varinha da música da palavra da melodia do tom, encantados.

Meu professor João Acuio compartilhou nas redes da escola Saturnália o mapa da passagem unido ao mapa natal. Já voltei lá algumas vezes nas últimas horas na imagem e só consigo concluir que ela está em paz, diria que até contente. Um espírito luminoso que voltou pra casa. Cantou que seu sonho era ser imortal. Conseguiu, meu amor.

((eu, aos pés de Santa Rita))

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Patrícia Helena Dorileo

astróloga, jornalista e um oceano inteiro • astrologer, journalist and an entire ocean.