Sol em Câncer: saudade

Patrícia Helena Dorileo
2 min readJun 29, 2021

Estava me esbanjando em Bala Toffee tarde dessas. Uma cola nos dentes aqui, o dedo que precisa intervir para tirar o que grudou, e aquele paladar de infância. Teletransportei-me para o 501, apartamento da minha vó paterna que sempre adorou presentear os netos com açúcar. E sempre foi meio sorrateira na entrega desses mimos-guloseimas, porque meu avô, por outro lado, era do tipo que jogava fora os caramelos que ela audaciosamente comprava porque não faziam bem à saúde. A Bala Toffee era a única que resistia. E resistia com classe, porque preenchia sempre as bombonieres espalhadas pela casa. Uma vitoriosa.

A melhor de todas, claro, é a de doce de leite. Mas, vira e mexe a que tinha era a de café. Bom, ia essa mesma, fazer o quê. Enchia as mãos de papel de bala antes de enfiá-los nos bolsos ou colocá-los na lixeira. Empanturrava sentada no sofá enquanto escutava as conversas dos adultos meio distante, não prestava lá muita atenção, e brincava com os primos de qualquer coisa. Eu ficava de olho se também atacavam as balas junto comigo. Quase não comiam. Ainda bem. Meu primo André talvez era quem viesse para o páreo. Ele era mais das jujubas.

Fazia muito, muito tempo que eu não devorava Bala Toffe, anos até. De repente comecei a observar uma série de coisinhas que me peguei fazendo nos últimos dias que me remontavam aos outros apartamentos familiares. Preparei bolo de arroz cuiabano, outra iguaria frequente no 501, e comi como se fosse o último alimento disponível na cozinha.

Estou com uma mania irritante de anotar coisas em papeizinhos e deixá-los espalhados por aí, mesmo tendo uma, veja só, agenda. Coisa que lembro do meu pai fazendo há 28 anos. Olho para os antúrios postos na mesa onde trabalho todos os dias e penso no meu avô, que os adorava. Cortei os cabelos; mal tinha voltado para a casa e já liguei pra minha mãe, porque ela é quem sempre viu meus novos visuais antes de todo mundo.

O Sol está em Câncer, no momento não brilha tanto assim — nem em Cuiabá onde faz mais frio do que aqui em São Paulo. Signo das sensações que se desenrolam em sentimentos, e da saudade. Saudade é ausência, pontual ou definitiva, de experiências familiares, lembrança do pertencimento. E assim, “saudade é para quem tem”. Tipo devorar bala toffe ou todas essas tantas outras coisas. E aí a gente vai matando-a, preenchendo-a, como dá, como que para trazer a saudade um pouco mais para perto como lembrasse que sempre há um lugar onde pertencemos.

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Patrícia Helena Dorileo

astróloga, jornalista e um oceano inteiro • astrologer, journalist and an entire ocean.